TOMADA DA MAIOR USINA NUCLEAR EUROPEIA PELA RÚSSIA CRIA UM GRANDE DILEMA PARA A AGÊNCIA INTERNACIONAL DE ENERGIA ATÔMICA

51872184295_65ea9e4e2c_bDepois de anexar quatro regiões da Ucrânia (Donetsk, Lugansk, Kherson e Zaporizhzhia), o presidente da Rússia, Vladimir Putin, também emitiu um decreto para colocar as instalações da usina nuclear de Zaporizhzhia na lista de ativos federais de seu país. Como não bastasse a já tensa situação em virtude da guerra no Leste Europeu, a tomada da planta ucraniana pelos russos criará também um grande dilema para a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), comandada atualmente pelo argentino Rafael Grossi (foto). A comunidade internacional do setor nuclear aponta uma série de desafios que surgirá a partir do avanço russo rumo à usina.

Para lembrar, uma das funções da AIEA é garantir que os materiais e as atividades nucleares de um país sejam exclusivamente para fins pacíficos. Por isso, existem as chamadas “salvaguardas nucleares” – que, em suma, são procedimentos para garantir somente o uso pacífico dos materiais e equipamentos nucleares em determinados países.

tagreuters.com2022binary_LYNXMPEI7H0ED-FILEDIMAGEDe agora em diante, para seguir implementando as rotineiras medidas de verificação do material nuclear presente na usina de Zaporizhzhia, o departamento de salvaguardas da AIEA teria de pedir autorização ao governo da Rússia – o que poderia ser interpretado como um reconhecimento da transferência de propriedade dos ucranianos para os russos.

Mas antes, é preciso combinar com os ucranianos. O Ministério das Relações Exteriores da Ucrânia classificou como “ilegal” a tentativa de colocar a usina sob o comando russo. “Consideramos nulo o respectivo decreto do presidente russo e condenamos veementemente este crime que aumenta ainda mais os riscos e ameaças na esfera da segurança nuclear causados pela ocupação russa na usina”, disse o ministério. Esse será o primeiro desafio da AIEA: lidar com dois países reivindicando os diretos da operação da usina.

putinMas a dor de cabeça para a agência não termina por aí. Pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), apenas EUA, Rússia, Reino Unido, França e China têm o direito de possuir armas nucleares. Sendo assim, ainda não se sabe como seria realizada a verificação do material nuclear em Zaporizhzhia sob a gestão dos russos. Isso porque a Rússia é um Estado com direito a armas nucleares e, logo, não faria sentido aplicar as salvaguardas definidas pelo TNP ao país de Vladimir Putin. Para especialistas do setor, as atividades militares da Rússia na Ucrânia inauguram um novo patamar de complexidade. Nesse caso, o protagonista da crise é uma potência nuclear, que sempre atuou como baluarte do sistema de não proliferação que a AIEA tem o papel de verificar.

Em uma declaração publicada em seu site sobre esses novos arranjos, a Rosatom diz que a Organização Operacional da Central Nuclear Zaporizhzhia seria chefiada por Oleg Romanenko, que anteriormente era engenheiro-chefe da usina nuclear de Balakovo. Balakovo, como Zaporizhzhia, tem reatores de água pressurizada VVER V-320 construídos no início dos anos 80. Ele disse que o novo arranjo foi “projetado para garantir a operação segura da central nuclear e as atividades profissionais do pessoal da planta existente com o apoio da Rosenergoatom“. Disse ainda que “outra tarefa será normalizar a situação dentro da equipe“, tendo Romanenko afirmado que “todos os funcionários da NPP serão contratados no quadro da nova organização operacional com a preservação dos salários e garantias sociais. Paralelamente, o estado de a estação será avaliada e a infraestrutura danificada será restaurada, levando em consideração a experiência de operação de unidades de energia nuclear na Rússia“.

Enquanto isso, Rafael Grossi deverá visitar Kyiv ainda nesta semana e, mais tarde, também desembarcará na Rússia. O objetivo dos encontros é negociar e implementar uma zona de segurança e proteção nuclear em torno da usina de Zaporizhzhia, que desde o início da guerra tem sido mantida pelas forças russas, mas operada por uma equipe ucraniana.

bog300x200Grossi também tem expressado repetidamente grande preocupação com as condições de trabalho extremamente estressantes e desafiadoras na usina durante o atual conflito militar. Um dos sete pilares de segurança e proteção nuclear afirma que “o pessoal operacional deve ser capaz de cumprir seus deveres de segurança e proteção e ter a capacidade de tomar decisões livres de pressões indevidas”.

Já a Energoatom, operadora da central de Zaporizhzhia, disse que o decreto do presidente russo era “inútil, absurdo e inadequado” e acrescentou que “a Ucrânia e todo o mundo civilizado sabem que a central nuclear de Zaporizhzhia continuará trabalhando na Ucrânia, de acordo com a legislação ucraniana, no sistema de energia ucraniano”.

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